O incrível acaso de cair no lugar certo da internet
Este texto tem tantos assuntos que eu simplesmente estou torcendo para você vir parar aqui.
🎧 Leia ouvindo o álbum Secret Life, de Brian Eno e Fred again..
Era uma vez, no distante reino de Serendip, que agora chamamos de Sri Lanka, três príncipes aventureiros. Nas suas andanças, eles se deparavam com descobertas inesperadas. Totalmente ao acaso, sem buscar por elas. Sem nem sequer saber das perguntas, encontravam as respostas.
Esse conto persa dos Três Príncipes de Serendip foi retomado pelo autor britânico Horace Walpole quando, em 1754, contou pra um amigo que, por acaso, fez umas descobertas sobre uma pintura perdida de Vasari. Ele chamou este acaso de “serendipity”. O ato de “fazer descobertas, por acidente e sagacidade, sobre coisas que você não estava buscando”.
Serendipity, que aqui até podemos chamar de serendipidade, é uma das minhas palavras favoritas em inglês. Essa magia dos acasos que te levam a descobertas inesperadas. A caminhos que você nem queria chegar. Minha vida na internet é cheia delas.
Ontem saiu o Spotify Wrapped e, sem surpresas, ele serviu de nada para falar do meu gosto musical. Praticamente só músicas que eu não saberia o nome, de artistas que não tenho ideia quem são. Tudo culpa das minhas playlists para dormir e focar. Em quarto lugar na minha lista estava o Brian Eno.
Com mais de um milhão de ouvintes mensais e tendo produzido músicas como With or Without You, do U2, e Heroes, do David Bowie, não dá pra falar que o Brian Eno não é famoso pra quem entende de música. Eu não entendo, então eu não sabia quem ele era até ver o seu nome no meu Wrapped e descobrir que ele é “aquele que faz aquela música lá que eu sempre ouço pra dormir”. Foi aí que eu fui atropelado pela serendipidade da internet.
Poucas horas depois caí num tweet sobre o Brian Eno e suas visões sobre música e tecnologia. Apesar de usar bastante a tecnologia no que faz, ele não é dependente dela. Em uma entrevista em 2013, ele fala sobre as restrições criativas:
"Não é interessante que estamos na segunda década do século 21 e muitas das músicas mais interessantes ainda são feitas por pessoas tocando instrumentos quase primitivos como guitarras e baterias?
A razão é que estes instrumentos são extremamente limitados. Você rapidamente entende o que pode fazer com uma guitarra, um violino ou uma bateria. Você para de procurar por mais opções e começa a se envolver com isso.
O problema com o trabalho musical baseado em software é que você nunca esgota suas possibilidades. Então, você sempre pode encobrir o fato de não ter uma ideia tentando outra opção. Se você tem muitas opções, geralmente não tem muita conexão com o instrumento. Se você tem poucas opções, essa conexão continua aumentando porque você entende as opções cada vez melhor. E é por isso que as pessoas ainda fazem boa música com instrumentos quase rudimentares e simples. Porque eles os entendem melhor do que os softwares."
Em seguida ele fala sobre o que ele chama de “brilho prematuro”, uma ilusão onde a facilidade de fazer algo parecer acabado com ferramentas digitais pode nos desviar do verdadeiro propósito e alma do trabalho.
Essa entrevista toda do Eno sobre a relação entre tecnologia e criatividade me fez pensar na minha jornada usando ferramentas de inteligência artificial. Sim, eu consegui te enganar até aqui, mas a serendipidade te trouxe para mais um texto sobre IA. Desculpa.
Hoje, 30 de Novembro, faz exatamente um ano que o ChatGPT foi lançado. Eu tenho usado ele literalmente desde o dia 1, então fazem exatamente 365 dias que ele me acompanha quase que diariamente, nas mais variadas tarefas e, muito do que aprendi, tem relação ao que o Brian Eno falou nessa entrevista.
Como não deixar o potencial da IA acabar com o nosso
Eu falo muito nas minhas aulas – aliás, no dia 6 de Dezembro tem a turma 11 do CR_IA! Clique aqui para se inscrever! – sobre como devemos usar essas ferramentas para fazer o nosso trabalho MELHOR. Não para fazer o nosso trabalho. É um pouco essa a reflexão do Brian Eno quando fala sobre tecnologia aplicada em criatividade. Ele fala sobre música, mas aqui podemos falar sobre qualquer criação. Até criação de planilha ou de pauta de reunião.
ChatGPT como ferramenta, não como criador
Eno fala muito sobre a importância de compreender e se envolver com as ferramentas que usamos. É preciso entender seu potencial e suas limitações. O ChatGPT deve ser usado como uma extensão de suas habilidades, não como um substituto para sua criatividade e pensamento. Ele deve ser tratado como um copiloto ou assistente no seu dia a dia, contribuindo para o processo, mas não sendo a força principal por trás dele.
Eu não pedi pra ele escrever essa newsletter. Ele não conseguiria. Mas eu pedi pra ele, em diversos momentos para me ajudar com estrutura, pesquisa, tradução ou para deixar alguma ideia mais clara. Ferramenta.
Cuidado com o brilho prematuro
Ferramentas digitais podem dar a ilusão de conclusão. Eu lembro como eu achei mágico quando eu dei uma instrução pro ChatGPT pela primeira vez e ele me deu um texto prontinho. Só que este é o ponto: ele não está prontinho. É crucial não se deixar seduzir pela facilidade de gerar conteúdo e considerar sempre a necessidade de refinamento e personalização. Isso vai melhorar – e muito! – o seu trabalho.
Curiosidade é a chave de um bom prompt
Você deve explorar qualquer ferramenta nova com uma mente aberta e inquisitiva. A melhor forma de aprender a usar o ChatGPT é fazendo testes. Só tem vocês dois no chat, não tem que ter vergonha não. Comece a explorar suas ideias, fazer umas perguntas bestas, uns pedidos absurdos e, quando você perceber, terão virado melhores amigos. (Que tistreza)
Crie limitações
O ChatGPT está longe de ser um instrumento limitado. Ele serve para absolutamente TUDO. No mesmo dia eu vou usar ele pra estruturar uma apresentação, me ajudar a programar, me preparar para uma reunião e tirar uma dúvida cretina na mesa de bar. Às vezes esse é o problema: quando ele é capaz de tudo, a gente coloca muita pressão em cima dele. O melhor é limitar e dar ordens mais específicas, como eu falei no primeiro ponto.
O que tenho feito
Terminei um trabalho muitoo legal de criação de imagem com IA pra WGSN. Estou bem ansioso pra poder divulgar!
Fui numa partida de chessboxing. Sim, eles jogam xadrez e depois lutam boxe, voltam pro xadrez e depois mais boxe. Foi interessante! Quero fazer conteúdo sobre.
Lançando mais uma turma do CR_IA! Vem se inscrever na turma 11!
Li 5 livros em Novembro. O melhor deles (e do ano!), foi Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow. Eu adorei e vale o hype.
Cruzei a cidade para ver uma estátua. Eu li Herdeiras do Mar recentemente e a autora menciona as Estátuas da Paz, erguidas em homenagens às mulheres coreanas abusadas na II Guerra pelos japoneses. Descobri que tinha uma em Berlim e quis fazer o passeio até lá.
Fui atrás da origem da música proibidona cantada por uma versão IA da Pabllo. Entrevistei duas atrizes e fiz este vídeo sobre.
Me preparando para ir ao Brasil. No dia 4 de Dezembro eu já vou sair daqui de Berlim. É sempre difícil sair da minha vida daqui. Não só pelo monte de coisas pra fazer, mas porque eu fico chateado de deixar meu apartamento e meus amigos. No meio disso vou passar uma semana em Lisboa pra visitar a minha mãe.
Me estressei para alugar meu apartamento aqui em Berlim enquanto estarei fora. Nos 45 minutos do segundo tempo encontrei pra quem alugar 😁, mas são dois DJs de 22 anos 🫠. Me deseje sorte. Ansioso para chegar em Lisboa.
Criando várias coisa novas pra comunidade do CR_IA. Está dando um grandee trabalho, mas em breve teremos um grupo no Discord cheio de surpresas e novos eventos ao vivo só pra comunidade!
Pensando em criar um novo podcast. Seria rapidinho, com curiosidades aleatórias, mas não sei se alguém ouviria.
Parece coisa do Burning Man, mas as imagens que ilustram este texto foram criadas por mim usando o MidJourney e fazem parte da minha série Once It Was Water.
Te seguia no insta e só agora vi a newsletter, que texto excelente. Organizou otimamente bem o que eu tento explicar pros meus pais como eu uso o ChatGPT.
Adorei a edição. Eu sou super fã do Brian Eno, que muitos consideram o pai da música ambiente. Ele esteve, inclusive, em Berlim num show da Philharmonie, mas oh god, quem conseguiu pagar? Então eu me contentei e fui ao show do irmão dele, o Roger Eno. Amei também o livro "Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow"... fiquei até com vontade de lê-lo novamente. Eu também não consigo me ver sem o chatgpt no meu dia a dia. Impossível! Beijos e boa viagem!